Ambrósio e Marilena já tinham seis filhos, mas a eminência da chegada de um sétimo rebento criava um clima de tensão no lar. As seis tentativas anteriores não foram suficientes para realizar o sonho do homem: ser pai de uma menina. Contínuo num banco de pequeno porte, indivíduo de temperamento difícil e tendo sido vítima de tortura durante a infância (era obrigado a vestir-se de marinheiro e usar botinhas ortopédicas, Ambrósio vivia como uma bomba prestes a explodir.
Por isso, Marilena nem se espantou, quando o marido, com um tom de voz até doce se comparado ao tratamento habitual que dispensava à família, decretou:
- Se for outro "pilas" eu te mato, sua vaca!
Para sorte da pobre mulher, Ambrósio estava no trabalho quando ela entrou em trabalho de parto. Ao conferir, com a criança ainda nas mãos da parteira, que se tratava de mais um menino, Marilena chorou convulsivamente.
Dona Nair, a velha parteira, tentou consolá-la com as palavras simples mas sábias dos humildes:
- É depressão pós-parto. Estima-se que ela atinja 10% das parturientes. Ela pode ser severa e resistente ao tratamento farmacológico, mas o estrogénio - em doses decrescentes, durante duas semanas, mimetizando o ciclo ovariano - tem sido eficaz em alguns casos, 'tá, filha?
- Não é isso, Dona Nair... - interrompeu a mulher, entre lágrimas - o problema é que o Ambrósio vai me matar se souber que é outro varão...
Dona Nair era uma mulher experiente. Com um sorriso maroto, sugeriu:
- Se é assim, crie o garoto como se fosse uma menina. Ambrósio nunca saberá a diferença...
- A senhora acha que isso pode funcionar? - animou-se Marilena.
- Já vi demais... Lembra-se daquela pivô que jogava na selecção de basket?
Agarrando-se aquele fio de esperança, a mãe abraçou carinhosamente a criança e encheu-se de ternura.
- ´É... pode dar certo. Até que ele é jeitosinho...
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